Certo dia chovia enquanto eu conseguia, de mansinho, chorar. E chorando, assim sem um pranto caótico, eu pude sentir-me mais pura. Eram as lágrimas e o copo de whisky. Uma sonata de Chopin, ao fundo da sala, acompanhava-me enquanto meus olhos ardiam. Eu quase senti aquela estranha sensação de perda instantânea. Aquela reviravolta magra do estomago à procura de uma cadeia alimentar que possa organizar os dias e fazer-me sentir felina. Devoro sonhos, ainda. Não durmo por prazer. Antes fosse. A dor aguda acompanha o sono que só vem atrelado à essa depressão momentânea. Adormeço no medo e acordo aflita no grito. É, sem demora, esse grito preso dentro d’alma que vem dizer qual caminho seguir. Acabo por não seguir nenhum, ao menos, nem sigo. Estatizo-me para que a dor possa desaparecer magicamente. Em vão. Horas e horas em vão. Assombrada pelo passado e por algumas maneiras pouco convencionais de viver. E, novamente, a lagrima que cai e mistura-se à bebida etérea. Já que não fumo, bebo. E, a cada dia, bebo um pouco de mim mesma para saciar-me inteiramente. Já não gozo. O gôzo para mim é tão seco e pudico que não vale a pena. É como um verbete que eu busco sem encontrar respostas. Significado já não há. Houve um dia. Faz tempo.
Os jornais, não leio em busca de noticias e sim de um mistério que se encaixa em cada palavra e faz-me ser unificada ao corpo do ensejo. Àquela magistral maneira de transbordar orações sem nexo, algumas palavras sem sentido à procura do vazio contextual. Todo contexto é vazio. De certo, imagino quando leio alcoolizada. Imagino as letras passarem sonambulas e mortas. Nem as consigo enxergar ao final das noites. Elas não se encaixam mais em mim. Fui letra e agora sou corpo ôco da escapatória de ser. Ainda sou. Talvez, mais tarde, nem eu mesma saiba como continuar sendo. Leio por desgosto e não por prazer. Prazer eu teria se a semana de arte moderna pudesse ser inédita nos anos atuais. Mas a magistratura perdeu a glória. A palavra perdeu o encanto. As luzes apagaram-se no vazio da forma simples do corpo verborrágico. E eis que, de repente, mesclando-me a este vazio meio frustrante, eu existo num vulto de tempo. É quase uma persuasão. Um mistério inexplicável. O copo de whisky ainda pela metade me chama, mas já não enamoro-me dele. Quero o verbo claro para a cópula involuntária. A palavra é AMAR. É quase esta e nenhuma outra que fez-me enxergar estes devaneios pouco sumptuosos. Amar já foi e não mais será. E, seria, talvez, se houvesse mais gelo ao meu meio copo. À minha meia taça de paciência. Seria AMAR, quem sabe, o ar para esta bolha nitidamente murcha. É a palavra que não morre no tempo. Mas o sentimento que extravasa no alheio. Este pouco afeto desesperado de quem ama para cegar aos outros. Nem sei mais qual a medida do meu copo. À mesma medida deponho a este estranho sentimento palavreado. Amor no pretérito incerto por demasiado.
Bebo a metade que sobra do tempo e já não amo. Declaro-me lúcida somente por instinto. E preencho o mesmo tempo com as palavras que em que já não creio. Somente ergo-me, conseguindo percorrer o caminho acinzentado até a cama, quando o amor passa a tomar-me por excesso. E a dose finda-se. No copo e no gargalo estreito. Faço desta estreiteza a minha direção e amanheço, noutro dia, com a ressaca impregnada da palavra Amor. Amar é o vício que alimenta a dor de ser. Ainda. Ainda bem que há a conjugação. Ainda bem que há a palavra. O sentimento, não mais!