sábado, 9 de abril de 2011

Á sangue...



O sangue das lágrimas desce silencioso,
perverso, mas nítido e pouco provável de vida...
É um sangue desumano e pérfido
que se desmaterializa quando toca o chão, a cama, o papel da escrita...

Ninguém pode sentir uma dor tão profunda e irremediável.
Nem a dor da morte, nem a dor das chagas mais profundas, senão as d'alma...

O que mata por dentro e destrói cada pedacinho de mim é, exatamente, o medo;
não conseguirei matar-me, não poderei fazê-lo com êxito, nem Deus perdoaria-me...

Sou espectro, agora, e talvez para sempre!
Morro a cada dia, antes mesmo da despedida...
e peço perdão ao meu Deus,
pela minh'alma e pelo meu egoísmo...
Mas o que é o mundo senão um lastro de dor e miséria...

Vive-se anos por um ideal,
que de repente é arrancado de você, sem explicação...

Vida desumana...
Vida em que vida mesmo não há entre os seres
só a miséria da essência humana
com labaredas mais ardentes que as d'um inferno imaginário...

Morrer é mais fácil e menos doloroso do que viver.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Epitáfio de Amor





   
                               (a Rodrigo Resena)

Por favor, 
não velem-me ao meio-dia
não velem-me com cravos roxos
não batam palmas quando o caixão descer
não deixem-me sufocada sob a lua, o pavor

Por obséquio,
não levem coroas e lágrimas
não despetalem botões de rosas brancas
nem arranquem pétalas daquelas escarlates
nem miúdas ou grandes

Não esqueçam,
que minhas cinzas hão de ser derramadas
pelas mãos Dele num oceano tranquilo
na paz daqueles que submergem e dormem
numa essência, sob o céu divino...

Não pronunciem 
palavras de elogios,
murmúrios mal sentidos
nem indaguem a Deus por isso

Dá-me a Ele
senão na vida, bem seja na derradeira estrada
numa caixa verde-dourada bem lacrada
e peçam para Ele cuidar...
Peçam-no para levar-me onde quiser...

Das pedras de Itaipava
no mar sagrado 
onde doces beijos foram marcados
onde fui feliz, a menina-mulher

Digam e Ele que o encontrarei mais tarde
n'algum lugar
n'algum, sem rumo ou destinos marcados
digam-no que esperarei lá.

E quando fechar as palmas escorrendo cinzas
peçam a Ele para me Amar,
como a primeira vez...
como no primeiro olhar!

sábado, 2 de abril de 2011

O que não pode-se esconder...




Ao primeiro olhar, era um menino e nada mais. Senão um garoto comum entre tantos outros garotos, mas os olhos postos nela, por precaução de não perdê-la de vista a partir daquele instante mágico. Ela não reparou, naquela quarta-feira pouco iluminada, os olhos negros do garoto. Chegou mesmo a ignorá-los e continuar sequer pensando em nada. Uma mulher, embora contida em face de menina, não poderia crer, um dia, numa paixão tão forte quanto aquela que surgia já, naquele momento. Não sei se, instantaneamente, no coração dele, mas surgiria, logo mais, no dela.
Não, ele não parecia clamar pelos pensamentos e atenção dela. Ela, ausente do mundo, aceitou um pedido de amizade e um convite para saírem entre amigos.
Saíram...
Casualmente, tão diferente da quarta-feira acinzentada e enfadonha, do outro lado da mesa do bar, os olhos dela já desciam, silenciosos, até os dele e vice-versa. Ninguém, aparentemente, poderia perceber a consumação d'um desejo aceso em labaredas, naquele segundo, nos dois. Olhos dela que resvalavam entre o céu acima dos olhos dele e, disfarçando, forçavam um encontro misterioso e violentamente insano. Daí para um beijo e muitos deles não demoraria. Foram alguns, sim, pouco cúmplices, mas totalmente loucos e desatinados. O primeiro deles, num ímpeto de desejo e satisfação pelo "ousar" sinuoso. Ele ousou e ela, antes evitando seus olhos, renderia, desde o instante, não só olhares, mas alma e coração. Num ensejo, não, mas para um sempre pouco provável. E passariam, a partir daquela noite, a serem para ela, os olhos dele, lábios, face e mãos eternos e necessários. Não! Não do garoto calado do primeiro encontro amigável, mas do homem que a fizera sentir a paixão dos ventos de outubro. Outubro clamado entre versos e muralhas. Versos de Wesley Thales e Rimbaud. Muralhas de preconceitos inaparentes. Ela o quisera 'homem' e assim o tivera algumas vezes. Ele a desejara, alternando emoções totalmente inversas. Não seria uma "crise" pertinente à sua pouca idade, mas as lutas pouco prováveis e quase imperceptíveis à sua instabilidade emocional e às condições opostas d'uma personalidade ainda em formação. Ela chorara pelo fardo da pouco estima dele. Dos olhos negros, divididos entre ela e pêlos alheios, nós e corpos másculos; outros, pouco curvilíneos; d'uma sexualidade bruta que desvairava sua essência, tão sagrada para ela. Ele, o garoto, o homem, a fragilidade d'uma rosa, ainda, em seu botão. Ela, a menina sonhadora, a mulher ora apaixonada ora teimosa, a tempestade única e fatal diante d'um jardim inteiro. Seus medos entrelaçados. Dos dois. Entrelaçados, também, seus segredos, prazeres, dores abundantes, vontades pouco peculiares e infinita sintonia. Inexplicáveis semelhanças e divergências. Uma força arrebatadora d'almas que varava noites e dias, quando ausentes um do outro. N'alguns  momentos, o fogo; noutros, a calmaria. Palavras e palavras perdidas. Poucas reencontradas. Ele seria para sempre seu maior problema, sua maior questão infundada e irremediável. Noites de lágrimas e dias de promessas de pouca ilusão. Mas ela ainda pensa e sente todo o "ele", é inerente à sua vontade. E ele, fingindo não saber, sem calar-se em pensamentos para buscar encontrar-se, tentaria, dia após dia, ignorar um amor incomum como aquele. Ignoraria até quando? Amor, sim, porque já o sentira e, involuntariamente, repelira-o por motivos quaisquer ou, talvez, sem motivo algum. Talvez por medo, pela dor de tentar ser o que não é e não ser o que, de fato,  haveria de ser. Homem! Pensava, ela. Um homem diferente de todos os outros. Olhos de ônix. Olhos e essência. Olhos e afeto. Nunca poderia esquecer os olhos dele, luz de estrelas. Tampouco deixar de amá-lo. Nem mesmo na morte.