quarta-feira, 28 de julho de 2010

o dia do fim do (meu) mundo

que puta sossego!
repudio o sossêgo!
odeio silêncio!
o silêncio farto dos domingos.
é sempre a mesma janela
o mesmo vento entrando sorridente
sem os dentes da frente,
atravessando as grades
atravessando as frestas
cortando a alma angustiada.
as ruas, as pessoas, os postes
sumiram
foram engolidos
mascarados
meu desejo, humilhado
domingo não é dia de gente!
é o pobre insone tempo
massacre dos ociosos
tumba dos trabalhadores
impertinência dos infantes...
---
na segunda
as ruas, as pessoas, os postes
são regurgitados !
---
odeio domingo e pronto!

elementos

ai de mim
quando tu me olhas!
o mundo dá voltas, voltas e cai
precipícios...
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o Amor me pregou uma peça e foi embora. entrou pela porta da frente do peito e, depois, foi embora.
me deixou em pé, numa estação qualquer. foi embora, despedindo-se devagar. ensaiou um aceno e foi... quem sabe pra onde? quem sabe, Deus? pra onde? maldito! nem sequer dobrou os lençóis.

Pretexto


bombons...
um champagne... era natal!
algumas nozes...
e minhas mãos buscavam as tuas
ninguém poderia entender
o desespero do meu sentimento
para quem eu daria os bombons?
nem beberia o champagne
nunca gostei de nozes
tudo, sempre, um pretexto
e passavam silenciosamente...
enquanto passavam,
sem teus olhos fitarem os meus
os meus já devoravam-te urgentemente
nunca percebestes
nunca poderia imaginar
tamanha falta de termo...
se erguesse teus olhos, única vez
entenderia
que nunca houve bombons
champagne
nozes...
Algum motivo?
somente meus desejos, segredos
e nada além!

terça-feira, 27 de julho de 2010

da tua única...

É triste pensar que serás de outra
   pensar que serás de outra e não meu
              serás de outra distante, e eu me perderei
                       outra, porém, não amará teu corpo e teu desvario
                                 não saberá onde deslizar a língua, os dedos médios
                                        deslizar e repousar os lábios quentes
                                                     repousar os seios, após amar-te
                                                                   seios e calcanhares, entrelaçados...
                                                                            entrelaçar e recomeçar...
                                                                                            não, outra não saberá!
                                                                                                                                          
                                                                                                         

alvo-RECER

deito-me, a triste menina...
...
é que em meu sexo pede aconchego
as tuas mãos delineadas e grossas,
atravessando meu corpo como nau num oceano profundo
na-ve-gan-do, na-ve-gan-do
ora dentro ora fora
entre as coxas
entre os seios
mais deliciosamente imaturo e suave!
mas delicioso, garoto!
muito mais delicioso que pensei!
teu olhar excede minha culpa
e quando em teu beijo me perco
há saliva, escorrendo,
há o gozo derretendo-me aos poucos!
em teus pêlos alvos, colo alvo
meu alvorecer de mulher...
a virgindade que dei a outro
a pureza, enfim, desmistificada...
o orgasmo primeiro, beijo a nuca
o orgasmo segundo, beijo o dorso
o terceiro, beijo o céu e num grito, desejo
não perder-te de vista, nunca mais!
...
amanheço, a mulher magestosa!

das odes do professor pseudo-literata - II - devaneio

comia-me devagar e belicamente
daquela maneira triste e sem graça
com um olhar de ironia profundo,
debochado
olhos debruçados em meu decote
em minh'alma distante
lábios mornos, balbuciando inverdades, sofismas atrozes
aquela filosofia de butequim
palhaços de butequim, metidos em fraques negros...
e, num segundo, mais ociosamente
começou a escrever tolices e se dizer mestre, doutor do cacete
doutores que se deitam com o vazio da madrugada
violentam a palavra para torná-la alienada
tomam-na a essência e matam o resto
origem e prosa
a desgraça da beleza...
e meus colegas assistiam aquilo embasbacados
diante deles, idiotamente, um mago de araque
sonhando com orgias colegiais
e, assim mesmo, aplaudiam as apologias machadianas.
meu grito cortava o silêncio dos mundos alheios e dizia, áspero:
"filho da puta sossegado!mata-me, mas não mata Machado"
assis se revirou no túmulo com desprezo
até ele pôde ver o óbvio
daquele ridículo professor que colhia decotes e cinturas espalmadas
e fingia, desesperadamente mal, o manejo da palavra.
em devaneios quadriculava, suscinto:
-Maria, maria...
e mais NADA!

Outono



Teu beijo faz-me pensar num outono, entre as matizes verdes e caucasianas. Nossos corpos, vultos suntuosos, num fim de tempo expoente; cronologicamente, os beijos contados, quase roubados, desvelados no espaço para integrar-me plena e prazerosamente. Integrar-me é fato da entrega vaga que persiste adiando-se, para o bem da paixão subversiva, dos olhares sedentos d'um encanto que deixa-me fria e desarmoniosamente impulsiva.

Teu beijo, hoje, é o que evita que eu me perca. Enquanto tu estiveres, eu estarei; quando tocar-me, tocarei, desesperadamente, meu próprio ego, minh'alma, antes cega; nestas noites, sã, viva, ruborizada.

Não há amargo nos instantes das vertentes verdes-caucaso. As flores, inertes, se hão, presenciam a queda das folhas, oscilantes e mágicas. Quase escrevo com a ponta dos pés:

"Queres ser só meu?"

Mas as folhas mortas, ainda verdes, somem num redemoinho de ventos ilusórios e, efemeramente, respondem-me:

"Nada é pleno ou total..."

Mergulho na grama orvalhada, fazendo-me de anjo - o verde, o caucaso. A pele e os sentidos mornos à espera da tua pele e dos teus sentidos. Extasiados , aparentemente, seremos um do outro. Tão rápido quanto à vida, tão nebuloso o céu do quase outono. Letal, apaixonante, bravio...

As folhas, que ainda caem, cobrem-nos, inteiramente. Os beijos derramados, antes delicados e belos; num arfar maior, ferozes e persistentes.

Enumero, brevemente, os impulsos nervosos; focando a única flor encarnada, moça, solitária entre alguns galhos tortos.

Após, regresso ao beijo primeiro. Beijos e orvalhos misturam-se, unindo gotas e gotas. O suor, rastro do pseudo-pecado. O gozo, eternizado, fertilizará primaveras.

Voltarei para colher suas flores multiformes. E, se houver outras esperas, beijarei-te vezes mais. Á espera d'um verão rubro e fértil de esperanças.

désir


mordia a palma das mãos,
os dentes no pulso esquerdo,
esquecia o perfume borrifado por tardinha e sentia o amargo
o amargo do desejo.
vinte dias cantando francês
a professora, com os cabelos pintados de vermelho, as meias três-quartos cinza
um je t'aime bem soado e timbre seco,
fazia-me suar.
mal fadada conquista.
deixei de ser um rapaz vivo e apaixonei-me cedo.
nem sequer uma palavra bem posta,
antes um murmúrio e pronto!
mas ela cantava com as mãos à cintura
e, cerrando as pálpebras, levantava os pés.
menino ainda, eu sorria inerte e aprumado.
medo dela notar o desejo febril
meu desejo solitário
noites e noites, só e constante!

por que sexo dói? - I

À minha casta e puritana mãezinha, que me ensinou a repudiar os homens...
DESCULPA, MÃE, POR TER APRENDIDO, mais tarde, A SER TÃO FEROZ!
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não. eu não gostava de sexo. era um repúdio iminente e mortal
das noites, depois dos beijos.
das tardes, virgindade roubada à força e depressa.
sexo era a culpa de amar exacerbadamente.
era o ato reprimido de todo bruto ser.
eu pensava.
sentia um nó na garganta e cuspia quase seco.
vertiginosamente eu derramava lágrimas póstumas.
mais que de amor, de medo
pois não foi-me dado a conhecer o amor que traria a paz do corpo
fui obrigada a atormentar-me, aviltar lascivamente meu desejo
e, de repente, o desejo nunca existiu.
amargurado e solitário, foi embora entre as coxas
vertido às lágrimas que corriam após e tão somente, após o vazio.
mas viria a ser, ainda renovado, o fruto
quase proibido, quase intacto e urgente.
adormeci com meu primeiro desejo
à espera, diante d'um espelho embaçado!
não era amor. era casualmente doentio e anti-social.
não era desejo. foi caça. eu, a prêsa crua, derrapando entre a armadilha dentada e o abismo.
morrendo, morrendo aos poucos.

Súplica


Costumava entrar na igreja, ao final das tardes, e observar aquela mulher pálida, com a face coberta por um véu de tule alvo e, às vezes, perguntava-me quais seus motivos de tristeza e introspecção tão profundas.
Ela, ao findar das orações, tolhidas em lágrimas, caminhava até o altar dos ofertórios e acendia as velas já derramadas e mortas, uma a uma. O vestido escuro, porém não modesto, deixavam-lhe escapar as curvas do colo e o formato do pescoço... Longo, excitantemente translúcido.
Acendia as velas e percorria o caminho oposto da igreja. Por voltas das sete da noite, sumia pelas enormes portas de madeira sucupira. Viria, ela, outras e outras tardes mais?
Eu adormecia a pensar num suposto semblante que teimava em se esconder além do véu... Seria linda? Seria vêsga? Como seria a mulher que vertia lágrimas constante e incessantemente, a cada pôr do sol?
As costas lisas... Os cabelos presos, fios dourados a contrastar com as paredes da Catedral, roxas e sem vida.
Era a espera de minhas tardes de garoto. Esperá-la era meu ofício segundo, ao sair da imprensa local. Diagramava páginas, lia ofícios e publicava-os, sem erros ou protestos, mas não havia consciência pela qual pudesse enxergar além do pranto agudo e silencioso DELA.
Numa tarde de verão, após ajeitar a gravata matizada de verde, entrei por uma das portas laterais e sentei-me a uns dois metros da senhorita, que bem poderia ser uma senhora, embora as mãos, quando despidas das luvas, mostrassem pouca idade. Me aproximei aos poucos. Aos poucos e sutilmente.
Seu olhar firmava-se, sempre, para baixo, como se os pedidos de súplica moral fossem tão pecaminosos para que ela pudesse encarar o esplendor dos céus, morada divina. Naquela tarde contei as primeiras lágrimas. Começavam, sempre, brandas e finas e, de repente, mornas e grossas caíam sobre o encosto do banco. Debruçada, amarguradas lágrimas...
Quais segredos escondia um coração, aparentemente, tão frágil e doce?
Mais um segundo e quase coloquei tudo a perder. Num suspiro tomei a coragem e entrelacei-a de frente:
- Vens todas as tardes?- Testada a minha; ela permaneceu muda.
Prossegui:
-Vens e chora tanto... Tuas orações de certo podem ser ouvidas. Tenha certeza!
Num milagre ela ergueu-se e olhou para mim, por baixo do bendito véu. Cessou o pranto:
- O que estás a fazer? Conheço-o?
Engoli seco e prossegui, arrepiado e frenético:
- Conheço a senhorita da igreja! Não vens todas as tardes?
Ela mudou a direção do olhar e, pela primeira vez, parecia encarar o teto da catedral...
Silêncio quase mortal e vergonha em minh'alma caminhavam juntos...
Neste silêncio absurdo e farto, surpreendentemente, ela levantou o véu com delicadeza...
Pasmado e gélido, observei, quase em surto, os lábios róseos e bem desenhados, a face corada e, para perdição dos meus dias, por fim, olhos amendoados, vivos, de cílios fartos...
Tão linda e tão triste... Pensei: "O que esconde?"
Ela me olhou uma única e última vez e levantou-se:
- Queres entender, meu senhor, a alma d'uma mulher? Seus prantos e loucuras? Não entenderá!
Enquanto caminhava em direção à porta, batendo os finos saltos sobre a madeira ôca, fui atrás, sem pensar duas vezes.
- Pelo menos sua graça... Posso saber?
Ela sorriu-me, divinamente, um sorriso de anjo:
- Não saberás, meu senhor! Nunca...
Prosseguiu, enxugando as lágrimas:
- Porque não hei de estar aqui, algum dia, por nenhum outro sequer... Já me basta esta dor tamanha, que nasceu, exatamente, desta mesma pergunta que hoje me fazes...
Segurou as pontas do véu e voltou a cobrir a face de santa...
Ainda tentei:
- O meu nome é Ulisses!
Ela sorriu... Segredo profundo como quem sorri dizendo, aos poucos, que morre para esta vida. E saiu pela porta.
As badaladas do sino deixaram-me tonto e perdido. Sem querer, deixei-na ir.
Deixando-na ir, passei a suplicar a Deus seus regressos naquelas e n'outras tardes. Não houveram. Chegava a buscá-la, vez ou outra, da janela do pasquim, com uma esperança que nunca morreria.
A dama, simplesmente, não voltou. Não voltaria.
Mais tarde, pude entender. A maturidade deixou-me ver que o medo de amar faz com que a fuga seja iminente e precisa.
Triste, mais ao tardar, do final daquele mesmo ano, ao pegar ofícios e publicações a serem diagramadas para o dia seguinte, uma delas dizia:
"É com pesar que comunicamos o falecimento da Senhora Analice Magalhães de Tôledo Serrano , 26 anos, ocorrido na tarde desta sexta-feira. Nós, da escola Ministral Pereira Souto, manteremos luto por tão nobre amiga e mulher, que deixa dois filhos e espôso. Nossas mais humildes e sinceras condolências."
Meu peito explodiu ao ver a foto: os olhos claros, amendoados. Sem véu e cabelos soltos. O anjo das minhas tardes de verão. Morrera por quê? Talvez pelo fato de haverem findado suas lágrimas e, em nenhum braço, conseguir arrêgo para tanta dor? Fui eu o culpado de não haver insistido?
Carregarei este fardo e a lembrança insistente daqueles olhos marejados de tristeza profunda. Tinha espôso e filhos? Onde estariam eles naqueles longos fins de tarde entre prantos e súplicas?
Nunca haveria de entender. Não naquele momento com meus dezessete anos, quase perdidos. Talvez, por querer entender, sem saber exatamente, que poderia ter perdido a única mulher à qual amaria com afinco, com o maior amor do mundo. Talvez porque, intimamente, soube, naquele, instante, que poderia eu ter aparado suas lágrimas e amparado-a... Simplesmente, amando-a.
Simplesmente, sendo para ela aquele que ela tanto buscou e em lugar algum chegou a encontrar...
Hoje, eu sei: é verdade que se morre de amor ou da falta dele!
Uma única rosa branca, como foram seus mais tenros sonhos e desejos, foi a única coisa que pude entregá-la naquela manhã seguinte, depositada numa lápide tão fria e solitária. Talvez, tão fria e solitária quanto Analice, enquanto fingia viver de aparências.


das odes do professor pseudo-literata- I- desejo

um professor que quebrava o giz.
comia-os, cacos, farelos.
olhando-me, enaltecido, pensava em se matar.
nunca encontrara outro aluno, romanticamente problemático para matar seu tempo ocioso.
não encontrou Deus nas partidas inconstantes de dama.
sentado ao sol, sozinho e seco.
pregava a palavra com maestria como quem coloca sal na massa do pão.
e dobra, dobram os segundo e permanece o olhar intacto.
às vezes, quando os passos consumiam o piso
refletia algumas pornografias sem harmonia
um riso soluçante e morno
ah fora de hora.
e pensava em suicídio
rangia os dentes de raiva e tédio
nunca encontrou, antes, alguém que o encarasse com uma beleza contrária
permaneceu inerte até o último dia e depois sumiu.
não apareceu para o culto
esqueceu a colação de grau
se trancou num quarto laranja, fosco
e chorou com saudades d'uma senhorinha qualquer
diabos daqueles olhos
nunca encontrou outra aluno que o fez gozar
no silêncio da lítera
da palavra "velhacaria"!