sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ela... (o alterego)



Andava descalça a meia-noite, cortando silenciosamente as avenidas mal iluminadas da capital.
O ar seco e escasso...
A respiração curta, mas acelerada. Ofegante e calada. Morta por dentro com alguma espécie de lâmina cortante. Prateada como os seus olhos n’alguns inúmeros dias atrás, quando ainda conseguia repousar à luz do sol das manhãs.
Naquele instante, anjo algum ousava voar aos redores de sua aura. Tão maculada, tão negra, embebida, ainda, do olor das flores do cemitério, dos cigarros e de vinhos doces. Dormia lá por madrugadas e madrugadas. Abria seus braços à entrega do que restara de seu coração e esperava a morte, todas as noites.
N’algum túmulo gelado e solitário, cobria-se de folhas e vento. As árvores balançavam intensamente e o frio cortante gelava seus pés alvos e miúdos.
Uma boneca de cílios longos, olhos agonizantes, lábios ainda rubros e coração despedaçado.
Seria assim até a morte, de fato?
Um sobressalto no tempo e seus olhos mudavam de ritmo e cor. Seus sonhos não podiam ser contidos durante madrugadas e madrugadas. Ainda havia um inconsciente imerso em imagens d’um passado que, por hora, faziam-na sangrar. Lágrimas caiam, uma a uma. Quase lágrimas escarlates, tão salgadas e quentes quanto o ódio que fervia-lhe a alma extremamente densa.
Alguma coruja arpando vôo e ela se levantava como anjo num céu utópico.
Suas mãos iam tocando os galhos secos das amendoeiras, os pés se misturavam à cauda do vestido branco. As barras da cauda, impregnadas de lama e pó, iam se arrastando enquanto um passo fúnebre seus pés teciam. Tudo tão impressionantemente surreal.
Os olhos sempre fixados ao nada.
O coração traspassado. Os cabelos negros e longos cobertos por jasmins e folhas secas.
Tanta coisa lhe passara pela cabeça que um dia deixou de viver, mesmo não estando á morte entregue.
Seria assim por noites e noites, pois durante os dias chorava copiosamente e tragava a brisa como o arfar de um felino rodeando a presa.
Sempre, olhos postos num horizonte que só existia dentro de si mesma. Um horizonte que, talvez, encobrira-se de fogo e cinzas, junto à sua tão distante felicidade, há tempos e tempos.
Lágrimas e pouco clamor. Um dia deixara de clamar e pôs-se a ignorar o tempo e suas fomes mortais.
Não envelhecia.
Uma fada ou bruxa diabolicamente alheia ao mundo e presa em seu passado de dor.
Hoje, um nada.
Continua a vagar nas noites mais lindas e também naquelas mais ermas. Entre tempestades, entre os muros secretos que guardam sua alma. Entre os céus e o inferno. Entremeando os dois mundos com uma beleza horrivelmente grotesca e apavorante.
O véu rasgado e manchado, ainda, de batom, dor e saudade.
Apenas uma noiva abandonada no altar do tempo...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Epitáfio Pretérito



Meus passos intermeados  por poças de sangue...
Meus passos cortados ao topo do nada.
Jogaste-me ao vazio e à solidão...

Mas, sendo assim,
Vela-me silencioso e oculto.
Desejo nunca olhar-te com afeto
E d’amores e afetos falsos  fartei minh’alma.

Abra uma cova tão rasa quanto teus sentimentos
Enterra-me devagar e simploriamente.
Mas não olha-me com afeto.

Entenda o preço a pagar
Um sonho distante quase além da vida
D’uma vida tão efêmera e aprisionada ao amor.
E de amores letais que levam alma e fôlego.

Dar-te-ei, ao entardecer, pólvora e gasolina.
Então,mais tarde, chega em casa e
acenda teu cigarro maculado de mentiras.

...

Volta ao silêncio dos mortos e reerga-me.
Antes de deitarmo-nos à relva
canta baixinho, apenas, um poema de amor
e  volta a usar tua aliança desbotada.

Pois mesmo além da vida...
a minha sempre esteve aqui.


quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Lágrimas de Sangue

                                  Álvares de Azevedo


                                   Taedet animam meam vitae meae.
                                   Jó


Ao pé das aras no clarão dos círios
Eu te devera consagrar meus dias;
Perdão, meu Deus! perdão
Se neguei meu Senhor nos meus delírios
E um canto de enganosas melodias
Levou meu coração!
Só tu, só tu podias o meu peito
Fartar de imenso amor e luz infinda
E uma Saudade calma;
Ao sol de tua fé doirar meu leito
E de fulgores inundar ainda
A aurora na minh'alma.
Pela treva do espírito lancei-me,
Das esperanças suicidei-me rindo...
Sufoquei-as sem dó.
No vale dos cadáveres sentei-me
E minhas flores semeei sorrindo
Dos túmulos no pó.
Indolente Vestal, deixei no templo
A pira se apagar - na noite escura
O meu gênio descreu.
Voltei-me para a vida... só contemplo
A cinza da ilusão que ali murmura:
Morre! - tudo morreu!
Cinzas, cinzas...
Meu Deus! só tu podias
À alma que se perdeu bradar de novo:
Ressurge-te ao amor!
Malicento, da minhas agonias
Eu deixaria as multidões do povo
Para amar o Senhor!
Do leito aonde o vício acalentou-me
O meu primeiro amor fugiu chorando.
Pobre virgem de Deus!
Um vendaval sem norte arrebatou-me,
Acordei-me na treva... profanando
Os puros sonhos meus!
Oh! se eu pudesse amar!... - É impossível!
Mão fatal escreveu na minha vida;
A dor me envelheceu.
O desespero pálido, impassível
Agoirou minha aurora entristecida,
De meu astro descreu.
Oh! se eu pudesse amar!
Mas não: agora
Que a dor emurcheceu meus breves dias,
Quero na cruz sangrenta
Derramá-los na lágrima que implora,
Que mendiga perdão pela agonia
Da noite lutulenta!
Quero na solidão - nas ermas grutas
A tua sombra procurar chorando
Com meu olhar incerto:
As pálpebras doridas nunca enxutas
Queimarei... teus fantasmas invocando
No vento do deserto.
De meus dias a lâmpada se apaga:
Roeram meu viver mortais venenos;
Curvo-me ao vento forte.
Teu fúnebre clarão que a noite alaga,
Como a estrela oriental me guie ao menos
Té o vale da morte!
No mar dos vivos o cadáver bóia -
A lua é descorada como um crânio,
Este sol não reluz:
Quando na morte a pálpebra se engóia,
O anjo se acorda em nós - e subitâneo
Voa ao mundo da luz!
Do val de Josafá pelas gargantas
Uiva na treva o temporal sem norte
E os fantasmas murmuram...
Irei deitar-me nessas trevas santas,
Banhar-me na frieza lustral da morte
Onde as almas se apuram!
Mordendo as clinas do corcel da sombra,
Sufocando, arquejante passarei
Na noite do infinito.
Ouvirei essa voz que a treva assombra,
Dos lábios de minh'alma entornarei
O meu cântico aflito!
Flores cheias de aroma e de alegria,
Por que na primavera abrir cheirosas
E orvalhar-vos abrindo?
As torrentes da morte vêm sombrias,
Hão de amanhã nas águas tenebrosas
Vos rebentar bramindo.
Morrer! morrer!
É voz das sepulturas!
Como a lua nas salas festivais
A morte em nós se estampa!
E os pobres sonhadores de venturas
Roxeiam amanhã nos funerais
E vão rolar na campa!
Que vale a glória, a saudação que enleva
Dos hinos triunfais na ardente nota,
E as turbas devaneia?
Tudo isso é vão, e cala-se na treva -
Tudo é vão, como em lábios de idiota
Cantiga sem idéia.
Que importa? quando a morte se descarna,
A esperança do céu flutua e brilha
Do túmulo no leito:
O sepulcro é o ventre onde se encama
Um verbo divinal que Deus perfilha
E abisma no seu peito!
Não chorem! que essa lágrima profunda
Ao cadáver sem luz não dá conforto...
Não o acorda um momento!
Quando a treva medonha o peito inunda,
Derrama-se nas pálpebras do morto
Luar de esquecimento!
Caminha no deserto a caravana,
Numa noite sem lua arqueja e chora...
O termo... é um sigilo!
O meu peito cansou da vida insana;
Da cruz à sombra, junto aos meus, agora
Eu dormirei tranqüilo!
Dorme ali muito amor... muitas amantes,
Donzelas puras que eu sonhei chorando
E vi adormecer.
Ouço da terra cânticos errantes,
E as almas saudosas suspirando,
Que falam em morrer...
Aqui dormem sagradas esperanças,
Almas sublimes que o amor erguia...
E gelaram tão cedo!
Meu pobre sonhador! aí descansas,
Coração que a existência consumia
E roeu um segredo! ...
Quando o trovão romper as sepulturas,
Os crânios confundidos acordando
No lodo tremerão.
No lodo pelas tênebras impuras
Os ossos estalados tiritando
Dos vales surgirão!
Como rugindo a chama encarcerada
Dos negros flancos do vulcão rebenta
Gotejando nos céus,
Entre nuvem ardente e trovejada
Minh'alma se erguerá, fria, sangrenta,
Ao trono de meu Deus...
Perdoa, meu Senhor!
O errante crente
Nos desesperos em que a mente abrasas
Não o arrojes p'lo crime!
Se eu fui um anjo que descreu demente
E no oceano do mal rompeu as asas,
Perdão! arrependi-me!

sábado, 27 de agosto de 2011

CARPE DIEM?

                                                                                      certamente, dedicado...
                                                                                     

 Não deixe para aguar as flores apenas no dia de colhê-las...  
Nem mesmo as colha. 
Flores são mais lindas vivas e orvalhadas!
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- Sim, eu me apaixonei por você, não vês?
- Não fala assim...
- O que será de nós?
- Curta o momento... O 'agora'!

      Por quanto o 'agora' não passará de simples e nostálgico pretérito para os meus sonhos de amanhã?
    Por tanto que tenho chorado, não vejo saída a não ser viver, somente. Mesmo que o momento de um segundo apenas seja minha lembrança mais eterna e flamejante de um 'agora' que saltou o tempo e tornou-se pó. 
     Tornaremo-nos pó! É o óbvio das coisas que passam, ou seja, da vida... Da alma que desabita em mim para estar presa num passado que tenha sido doce e generoso.
      Desejo o 'agora' para sempre. Deus o tem... 
      Quero estar a um palmo da eternidade d'um momento... Deus tem estado em tempo integral.
      Quero dizer... Deus se faz no tempo e permite que para Ele o tempo seja um instante infinito estacionado.
       Peço a Deus para me dar um décimo da graça deste instante...
       Porque este 'agora' me incomoda de modo inexprimível.
       Os beijos de um 'agora' já são ou serão os de ontem...
       Os amores de 'agora' já nem são, nem serão mais amores...
       Se perderam, se perderão...
       Me perdi... E me perco a cada instante...
       Num 'agora' que só durará tanto tempo em minhas recordações...
       Até que o 'agora' da morte os apague.

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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

D'alma...

                                    

"Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”  (Clarice Lispector)

domingo, 21 de agosto de 2011

Doce, imediata paixão...

                                                                         "Por aquela tão doce
                                                                          e tão breve ilusão..." (Florbela Espanca)

                                                                                                
                                                                                                                      ...


Mil tormentas...
o estrondo do meu coração
o espasmo dilacerante do vazio
e em mim, quando à paixão ateio fogo,
dói e queima, ardentemente,
matando a fúria da lembrança
do teu beijo
do teu corpo
das tuas mãos traçadas ao meu contorno...

E penso em mim nenhum segundo mais

mas penso incessantemente em ti
ornado de sonhos
de-fi-ni-das alucinações...

Nenhuma maior que outra
mas tão gratas por amar-te apenas
uma vez que seja...

teu perfume ainda jaz em minha roupa
na pele
adentrando-me tal seu gozo...

De certo a paixão já me ocupa
e esta é minha única e derradeira desculpa
para escrever-te...

Nenhum mal a menos...
só o teu calor ainda em meu corpo
e tua voz solta, clara, celeste...

e o que houve, por quanto voltará?
se em NUNCA, tão breve...
morro já de tédio e desolação...

então...
escuridão...
enquanto não me vejo mais
em teus olhos de menino!

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domingo, 14 de agosto de 2011

Outra vez Ele...



Outra vez a paixão e seu vício...
outra vez e eu nem sei bem qual foi a última...
Outra vez que o coração acelera furioso e caótico
em ambição, sem rumo, sem prosa definida.

E eu havia prometido me desocupar de amores...
Jurei não dar a mim mesmo ilusões indiferentes e frias...
Agora, mais uma vez, Ele bate à porta e eu, incauta, abro
sem pensar, sem estar preparada.
Sem armas letais contra Ele.

Ah, e eu que nunca soube
nunca percebia entre olhares
que o Mal de Amor é uma tormenta sinuosa.
E, agora, eu faço D'ele, novamente, meu enredo principal...
Caminhando, sorrateira e vorazmente, pr'um outro triste final.

sábado, 9 de abril de 2011

Á sangue...



O sangue das lágrimas desce silencioso,
perverso, mas nítido e pouco provável de vida...
É um sangue desumano e pérfido
que se desmaterializa quando toca o chão, a cama, o papel da escrita...

Ninguém pode sentir uma dor tão profunda e irremediável.
Nem a dor da morte, nem a dor das chagas mais profundas, senão as d'alma...

O que mata por dentro e destrói cada pedacinho de mim é, exatamente, o medo;
não conseguirei matar-me, não poderei fazê-lo com êxito, nem Deus perdoaria-me...

Sou espectro, agora, e talvez para sempre!
Morro a cada dia, antes mesmo da despedida...
e peço perdão ao meu Deus,
pela minh'alma e pelo meu egoísmo...
Mas o que é o mundo senão um lastro de dor e miséria...

Vive-se anos por um ideal,
que de repente é arrancado de você, sem explicação...

Vida desumana...
Vida em que vida mesmo não há entre os seres
só a miséria da essência humana
com labaredas mais ardentes que as d'um inferno imaginário...

Morrer é mais fácil e menos doloroso do que viver.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Epitáfio de Amor





   
                               (a Rodrigo Resena)

Por favor, 
não velem-me ao meio-dia
não velem-me com cravos roxos
não batam palmas quando o caixão descer
não deixem-me sufocada sob a lua, o pavor

Por obséquio,
não levem coroas e lágrimas
não despetalem botões de rosas brancas
nem arranquem pétalas daquelas escarlates
nem miúdas ou grandes

Não esqueçam,
que minhas cinzas hão de ser derramadas
pelas mãos Dele num oceano tranquilo
na paz daqueles que submergem e dormem
numa essência, sob o céu divino...

Não pronunciem 
palavras de elogios,
murmúrios mal sentidos
nem indaguem a Deus por isso

Dá-me a Ele
senão na vida, bem seja na derradeira estrada
numa caixa verde-dourada bem lacrada
e peçam para Ele cuidar...
Peçam-no para levar-me onde quiser...

Das pedras de Itaipava
no mar sagrado 
onde doces beijos foram marcados
onde fui feliz, a menina-mulher

Digam e Ele que o encontrarei mais tarde
n'algum lugar
n'algum, sem rumo ou destinos marcados
digam-no que esperarei lá.

E quando fechar as palmas escorrendo cinzas
peçam a Ele para me Amar,
como a primeira vez...
como no primeiro olhar!

sábado, 2 de abril de 2011

O que não pode-se esconder...




Ao primeiro olhar, era um menino e nada mais. Senão um garoto comum entre tantos outros garotos, mas os olhos postos nela, por precaução de não perdê-la de vista a partir daquele instante mágico. Ela não reparou, naquela quarta-feira pouco iluminada, os olhos negros do garoto. Chegou mesmo a ignorá-los e continuar sequer pensando em nada. Uma mulher, embora contida em face de menina, não poderia crer, um dia, numa paixão tão forte quanto aquela que surgia já, naquele momento. Não sei se, instantaneamente, no coração dele, mas surgiria, logo mais, no dela.
Não, ele não parecia clamar pelos pensamentos e atenção dela. Ela, ausente do mundo, aceitou um pedido de amizade e um convite para saírem entre amigos.
Saíram...
Casualmente, tão diferente da quarta-feira acinzentada e enfadonha, do outro lado da mesa do bar, os olhos dela já desciam, silenciosos, até os dele e vice-versa. Ninguém, aparentemente, poderia perceber a consumação d'um desejo aceso em labaredas, naquele segundo, nos dois. Olhos dela que resvalavam entre o céu acima dos olhos dele e, disfarçando, forçavam um encontro misterioso e violentamente insano. Daí para um beijo e muitos deles não demoraria. Foram alguns, sim, pouco cúmplices, mas totalmente loucos e desatinados. O primeiro deles, num ímpeto de desejo e satisfação pelo "ousar" sinuoso. Ele ousou e ela, antes evitando seus olhos, renderia, desde o instante, não só olhares, mas alma e coração. Num ensejo, não, mas para um sempre pouco provável. E passariam, a partir daquela noite, a serem para ela, os olhos dele, lábios, face e mãos eternos e necessários. Não! Não do garoto calado do primeiro encontro amigável, mas do homem que a fizera sentir a paixão dos ventos de outubro. Outubro clamado entre versos e muralhas. Versos de Wesley Thales e Rimbaud. Muralhas de preconceitos inaparentes. Ela o quisera 'homem' e assim o tivera algumas vezes. Ele a desejara, alternando emoções totalmente inversas. Não seria uma "crise" pertinente à sua pouca idade, mas as lutas pouco prováveis e quase imperceptíveis à sua instabilidade emocional e às condições opostas d'uma personalidade ainda em formação. Ela chorara pelo fardo da pouco estima dele. Dos olhos negros, divididos entre ela e pêlos alheios, nós e corpos másculos; outros, pouco curvilíneos; d'uma sexualidade bruta que desvairava sua essência, tão sagrada para ela. Ele, o garoto, o homem, a fragilidade d'uma rosa, ainda, em seu botão. Ela, a menina sonhadora, a mulher ora apaixonada ora teimosa, a tempestade única e fatal diante d'um jardim inteiro. Seus medos entrelaçados. Dos dois. Entrelaçados, também, seus segredos, prazeres, dores abundantes, vontades pouco peculiares e infinita sintonia. Inexplicáveis semelhanças e divergências. Uma força arrebatadora d'almas que varava noites e dias, quando ausentes um do outro. N'alguns  momentos, o fogo; noutros, a calmaria. Palavras e palavras perdidas. Poucas reencontradas. Ele seria para sempre seu maior problema, sua maior questão infundada e irremediável. Noites de lágrimas e dias de promessas de pouca ilusão. Mas ela ainda pensa e sente todo o "ele", é inerente à sua vontade. E ele, fingindo não saber, sem calar-se em pensamentos para buscar encontrar-se, tentaria, dia após dia, ignorar um amor incomum como aquele. Ignoraria até quando? Amor, sim, porque já o sentira e, involuntariamente, repelira-o por motivos quaisquer ou, talvez, sem motivo algum. Talvez por medo, pela dor de tentar ser o que não é e não ser o que, de fato,  haveria de ser. Homem! Pensava, ela. Um homem diferente de todos os outros. Olhos de ônix. Olhos e essência. Olhos e afeto. Nunca poderia esquecer os olhos dele, luz de estrelas. Tampouco deixar de amá-lo. Nem mesmo na morte.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Esperança...


Quando estou só
E o choro parece querer chegar
E um sentimento de temor
Como será o amanhã que eu não vejo
E quer me assustar?
Oh, meu Deus! Ajuda-me a confiar

Quando os sonhos se frustram
Ou parecem não se realizar
Quando as forças se acabam
Tudo o que eu sei é Te adorar

Quando as feridas
Do meu coração não querem sarar
E me atrapalham a visão
Tuas promessas são tão grandes
E as lutas querem me esmagar
Oh, meu Deus! Ajuda-me a avançar

Quando os sonhos se frustram
Ou parecem não se realizar
Quando as forças se acabam
Tudo o que eu sei é Te adorar

Tua presença me aquieta a alma
E me faz ninar
Como um bebê que não precisa se preocupar
A minha vida escondida em tuas mãos está
Oh, meu Deus! Em Ti eu posso descansar

A esperança renasce
E a certeza de que perto estás
Tua paz me invade...
Pois tudo o que eu sei é TE adorar!

(Ana Paula Valadão)



quinta-feira, 3 de março de 2011

Espectro de mim...



espectros...
quem sou, se me perdi há tempos?
nem em meus sonhos cinzentos, moro ou durmo
jamais...
povoam-me sombras d'um destino previsível...
onde?
Para quando?
Se nem mesmo ao tempo confio meus segredos...
se n'um cálice de absinto, sangro lenta e dolorosamente
enquanto tento ser, em vão,
senão outra,
pouco provável de mim...
desenhada por amargos pseudônimos...

Últimos versos...



                                                                                a Rodrigo Soares Resena




ainda, tua imagem desgraçada no espelho 
ainda, teu perfume sangrando em meu travesseiro
ainda, teu nome nas páginas dos meus livros
ainda, teu desamor preso dentro do meu grito


de miséria, 
da humilhação póstuma 
da profunda insanidade
o que sobrou de nós
ou pedaços de mim, ao chão
senão em grifos
ora nos muros ora no céu cinzento e morno...


tua face em meus sonhos
e tuas mãos, último lastro, nas minhas
dizendo um adeus silenciosamente perturbado...


ainda, em meu peito o soluço da derradeira lágrima
e, nas rosas plantadas,
uma oração errante 
uma prece de pouca sorte...


pois se já não há caminhos,
que não hajam os ventos, luz celeste
que em mim, tudo o que tinhas morreu
em um único e impreciso gesto...


meu Amor, de dor profunda,
durma em paz pouco acolhida
só em meus sonhos e
                                  n'outro lugar, jamais!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Teus olhos...

                                                                 
Ando eu deslumbrando-me,
Ora demais,
Com o céu negro que há nos olhos teus...

Já não há claridade que estenda-me,
Somente, meu amor, a escuridão
E, entre nós, ou em mim, senão, a paixão da insanidade.

Do ósculo, carícia doce escarlate
Minuciosa, delineada
A saliva velando alva flor
Escorrendo entre as pernas, ao som d’arpas...

As cifras de todas elas, soluçantes em treva densa
Louvando nossos negros corações,
Excedidos às chamas...

Queimam, deliciosamente fartas
A pele e as horas, ocultando desejos
Quase ausentes, desesperados
Numa escuridão pouco finda.

Oh, olhos de um deus!
Esculpidos à ônix sagrada
D’um olhar triste, a noite traga
a conta mortal do meu segredo...

Profano,
Devora-me fôlego e fé, madrugadas afora
Sangrando enquando encerrado na afiada lâmina
Do teu desamor afetuoso...

A paz perdida nos acinzentados pesadelos
E o tempo medido à nada
As lágrimas, chovendo crueis pecados
                      E minha morte...
                                       à espera de tuas fúnebres rosas.

Em segundos d’onde minh’alma, vertendo sob teus olhos negros,
                                        desce, por Caronte, inebriada aos infernos ...

Vaga, vaga... Horas, quando à estrada, sinuosa, silenciosa, vaga desgraçada...
                                        alma sem começo nem fim!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A um amigo...

Tu sobressais aos normais, aos imperfeitos mortais... Mesmo nas estreitezas das linhas da vida, do pensamento sufocante, desta e d'outras palavras...
Pois: 
*Se um dia, um dia ameno, eu pudesse ser igual a ti e ter esta força ora subsistente ora suave!...
*Se estas palavras aqui parecessem menos cansativas em tempos e ações verbais e d'uma vez, mesmo inacabadas, eu pudesse dizer-te tudo...
*Se por segundos, tudo o que escrevo tivesse um sentido único de invadir tua vida e torná-la menos densa...
*Se a minha vida, já que entraste nela com tamanho lascivo e profunda sintonia, pudesse ter paz em teu sorriso...
*Se tudo fosse apenas um sonho verde, descolorido... 
*Se, ao acaso ou não (deveras, NÃO), encontrar-te foi, única e tão somente, a liberdade para meus grifos e gritos...
 Já valeria e vale, anos a fio, ter eu vivido...